RELIGIÃO: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?


Segundo a renomada pesquisadora de história e autora do livro Usos e Abusos da História, a canadense Margaret Macmillan:
“A religião não desempenha mais o papel importante que teve outrora, quando ditava padrões morais e transmitia valores. As congregações, que eram determinantes nas velhas igrejas, perderam a força de forma drástica.

É verdade que existem igrejas evangélicas poderosas por toda parte, mas elas servem muito mais como entretenimento e socialização do que como religião. Segundo pesquisas, milhões de pessoas que se declaram cristãs renascidas têm, com freqüência, uma ideia muito vaga do que é aquilo a que estão se filiando” (1).

O psicólogo americano, pesquisador e crítico do sistema religioso Dr. Michael Shermer afirma duas razões para não aceitar a religião como soluções para a vida: “Em primeiro lugar, a solução para melhorar a vida de gente pobre e miserável não é religião. É prosperidade econômica e social. Eles não precisam de Deus, eles precisam de comida e emprego.

Eles não precisam de religião, eles precisam de um adequado sistema de saúde, água potável, eletricidade, saneamento, moradia. De certa forma, é um insulto governos que acham razoável dizer a suas populações pobres que eles têm liberdade para acreditar em religiões que prometem que numa outra vida tudo ficará bem. Eles precisam de ajuda agora, neste mundo, não em outra dimensão. Então, neste caso, a religião não está ajudando, está ampliando o dano às pessoas que não reivindicam direitos”.

Em segundo lugar, “a religião é usada, de certa forma, para pacificar populações que, de outra forma, estariam insatisfeitas e revoltadas com a forma relapsa com que os governos as tratam. É outro aspecto negativo da religião e sua incapacidade de ajudar realmente as pessoas” (2).

SERIA MELHOR O MUNDO SEM RELIGIÃO?

“Tenho uma dívida de gratidão com o cristianismo, e creio que o mundo em que vivemos nos últimos 2.000 anos também a Tem”. Essa expressão pública de aprovação do “cristianismo” foi feita pelo escritor e apresentador de TV inglês Melvyn Bragg. Suas palavras refletem a opinião de milhões de habitantes do planeta que também reconhecem ter uma dívida enorme com uma ou outra religião, e são leais a ela. Tais pessoas estão convencidas de que a religião é uma poderosa força para o bem em sua vida e salvação.

As palavras seguintes de Bragg, no entanto, levantam uma questão séria sobre se a religião como um todo tem sido realmente uma força para o bem. Ele continua: “O cristianismo também está em dívida comigo, deve- se uma explicação.” Por que ele quer uma explicação? “Por causa do fanatismo, da perversidade, da crueldade e da ignorância obstinada que também têm caracterizado boa parte de sua ‘história’”, diz ele.

Muitos diriam que o fanatismo, a perversidade, a crueldade e a ignorância obstinada macularam a maioria das religiões no decorrer da história. Do ponto de vista deles a religião apenas finge ser benfeitora da humanidade – por trás da fachada de virtude e santidade ela está na verdade cheia de hipocrisia e de mentiras.

Alguns, como o filósofo inglês Bertrand Russel, chegaram à conclusão que seria bom se, com o tempo, “todo tipo de crença religiosa desaparecesse”. 

Do ponto de vista deles, o fim da religião é a única solução permanente de todos os problemas da humanidade. Talvez eles se neguem a reconhecer, porém que os que rejeitam a religião podem ser responsáveis por tanto ódio e intolerância quanto os que a defendem. 

A historiadora inglesa Karen Armstrong, que escreve sobre assuntos religiosos, lembra-nos: “Entre outras coisas, o Holocausto nos mostrou que uma ideologia secularista (pode ser) tão mortífera quanto qualquer cruzada religiosa.” - The Battle for God – Fundamentalism in Judaism, Christianity and Islam

(Em Nome de Deus – o Fundamentalismo no Judaísmo, no Cristianismo e BENDITA ESPIRITUALIDADE “O homem tem necessidade que só a religião pode suprir”).

A História da Religião é tão antiga como a história do próprio homem. É isto o que nos dizem os arqueólogos e os antropólogos. Mesmo entre as civilizações mais “primitivas”, querendo-se com isso dizer as civilizações não desenvolvidas, há evidências de algum tipo de adoração. 

De fato, The New Encyclopcedia Britannica (Nova Enciclopédia Britânica) diz que “até onde os peritos conseguiram descobrir, jamais existiu um povo, em qualquer parte, em qualquer tempo, que não fosse de algum modo religioso”.

Há milhares de anos, a humanidade tem sentido necessidade e anseio espiritual. O homem tem convivido com as suas provações e cargas, suas dúvidas, medo e indagações, incluindo o enigma da morte. Os sentimentos religiosos têm sido expressos de muitas maneiras, à medida que as pessoas se têm voltado para Deus ou para seus deuses, em busca de bênçãos e refrigério. A religião tenta também resolver as grandes questões: Por que existimos? Como devemos viver? O que o futuro nos reserva?

O historiador e antropólogo suíço Dr. Ivar Lissner, em seu livro Man, od and Magic (O Homem, Deus e a Magia) colocou isso da seguinte maneira: “Não deixa de causar admiração a perseverança com que o homem se tem esforçado, no decorrer de sua história, de ir além dos limites de si mesmo. Suas energias jamais foram orientadas unicamente na direção das necessidades da vida. Sempre procurando, tateando adiante em seu caminho, aspirando ao inatingível. Este anseio estranho e inerente no ser humano é sua espiritualidade”.

Realmente, o ser humano tem dentro de si uma força irresistível do sobrenatural. Algo que vai muito além de tudo e de todos. Desejo infinito do transcendente. “Provavelmente a espiritualidade sempre será parte da vivência humana” (3).

O especialista em Ciência Social da Religião e filósofo americano John B. Noss diz em seu livro Man’s Religions (As Religiões do Homem): 

“Todas as religiões dizem, de uma ou outra maneira, que o homem não vive, e não pode viver, por si só. Ele se relaciona vitalmente com os poderes na Natureza e na Sociedade exterior a ele e até depende deles. 

Vaga ou claramente, ele sabe que não é um centro independente de força capaz de se apartar do mundo”. 

A religião satisfaz uma necessidade humana básica, assim como o alimento satisfaz a nossa fome. Sabemos que comer indiscriminadamente quando estamos famintos pode aliviar a agonia da fome; em longo prazo, porém, prejudicará a nossa saúde. Para termos uma vida sadia, necessitamos de alimentos que sejam sadios e nutritivos, igualmente, precisamos de alimento espiritual sadio para manter a nossa saúde espiritual. 

Por isso afirma Jesus Cristo: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4,4).

Ler, estudar e viver a Palavra de Deus é sem dúvida, o verdadeiro sentido da espiritualidade cristã.

O célebre cientista americano Edward Wilson, fundador da sociobiologia, ciência que estuda as bases genéticas do comportamento social dos animais, inclusive o ser humano, ele ganhou duas vezes o Prêmio Pulitzer, disse: “Religiosos e cientistas deveriam deixar de lado as diferenças. A ciência e a religião são as duas forças mais poderosa do mundo. Para ambas, a natureza é sagrada” (4).

Concorda com o Dr. Wilson o escritor e filósofo suíço Alain de Botton autor do livro “Religião para ateus”, livro em que ele defende a tese de que, mesmo sem acreditar em Deus, é possível ter fé. E mesmo sem ter fé, é possível encontrar na religião elementos úteis e consoladores que suavizam o dia a dia. Botton condena a hostilidade que há entre crentes e ateus, e diz que em vez de atacar as religiões, é mais salutar aprender com elas, mesmo quando não compactuamos com seu aspecto sobrenatural.

“A mensagem fundamental da religião deve ser contra a que é fundamentalismo, e deve visar à educação, o esclarecimento e a purificação das consciências, para torná-las capazes de se abrir ao diálogo, à reconciliação e a paz. É tarefa da Igreja e das diversas religiões a construção da paz”, proclama o Papa Bento XVI (5). 

O filósofo francês Blaise Pascal fez uma comparação entre as principais religiões no mundo de sua época, que não são muito diferentes das religiões de hoje. Ele constatou que existem muitos elementos comuns entre elas, dentre os quais um que merece destaque é o amor à divindade.

Este amor a Deus deve se manifestar na prática da caridade, traduzida em gestos de solidariedade para com os pobres e necessitados. 

Entre os gestos de solidariedade, o mais conhecido historicamente é o da esmola, que submete o valor econômico ao religioso e possibilita colocar a pessoa humana em primeiro lugar na hierarquia de valores.

A humanidade de posse da ciência e da tecnologia, da satisfação ideológica, do prazer carnal, da realização de morar no espaço, de ser feliz pelos bens materiais e encontrar a imortalidade, mesmo assim, tem sede e fome de Deus. Só pode se encontrar consigo mesmo e com o outro para ter sentido na vida, quando seu “ser” for espaço de amor a Jesus Cristo.

Na pós-modernidade ser sábio é ser todo de Deus e promover a paz, a liberdade e a justiça para todos. A verdadeira prática do bem comum é o testemunho da caridade e o anuncio da Boa Nova, estas são atitudes que eliminam o falso sistema religioso e leva à humanidade a felicidade!

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Instituto Teológico Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

MacMillan, Margaret. Usos e abusos da história. Rio de Janeiro:
Record, 2010, p.35.
O Globo – Prosa. 15/09/2012, p. 3.
American Sociological Review, fevereiro de 2000, p. 2.
Veja, 17/05/2006, p.11.

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