NATAL SEM O ANIVERSARIANTE
![]() |
Charge do Glauco |
No seu primeiro Natal no alojamento do mato, já nos anos 2000, cumprimentou um colega de trabalho e ele lhe respondeu dizendo: “Aqui não existe Natal”.
Jesus nasceu numa cocheira, em meio aos
jumentos dos hóspedes daquela pousada em Belém. Foi o melhor lugar encontrado
pelo dono para que Maria desse à luz. Os anjos, no céu, acharam estranho ao ver
o Deus, que até nove meses atrás adoravam no céu, entre luzes e cores, nascido
num cocho de capim, a que enfeitamos um pouco chamando de manjedoura. E foram
anunciar o nascimento a rudes e marginalizados pastores.
Os magos chegaram, com seus presentes:
ouro → Jesus é rei; incenso: → Jesus é Deus; mirra: → Jesus é homem. Tanto os pastores como os magos
eram marginalizados pela sociedade daquele tempo. Os pastores, porque suas
ovelhas invadiam as plantações alheias e eles cheiravam a ovelhas; os magos,
por não serem do povo de Deus.
O que há de comum entre eles? Eu acho
que duas coisas: a marginalização de uma sociedade hipócrita e a simplicidade
de vida. Eles eram puros de coração e, como tais, podiam ver a Deus: “Felizes
os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). A humildade do
nascimento de Jesus nos ensina o verdadeiro caminho que nos conduz ao céu. Deus
ama a simplicidade. Se não fosse assim, não teria nascido numa pobreza
daquelas.
A fundadora das Irmãzinhas de Jesus,
Irmãzinha Madalena, inspirada no Padre Carlos de Foucauld, aconselhava as suas
discípulas a “estarem sempre no presépio, simples e pobres como
Jesus”, ou seja, devem deixar de lado o luxo e as coisas supérfluas,
deixar de lado a vaidade e a arrogância e abraçar a simplicidade, além do principal,
que é estarem sempre na presença de Jesus! Em Mateus 6,25 a 34,
Jesus nos dá uma orientação segura de como poderemos alcançar o Reino de Deus,
confiando não nas nossas forças, mas na dele: se buscarmos o seu Reino, tudo o
que precisarmos para nossa sobrevivência nos será dado por acréscimo!
Hoje o Natal está deturpado e
comercializado. São Nicolau, bispo santo e caridoso, “virou” um papai-noel sem
graça nenhuma. O amor e a ternura foram substituídos por presentes, nem sempre
dados com sinceridade, e caricaturas de amizade. Muitos transformaram o Natal
numa festa pagã e ficam o dia todo de Natal numa “ressaca”, pois já se
embebedaram na véspera. Como li num artigo, mudaram-se os votos de “Feliz
Natal” por “Boas Festas”, para não incomodar os que não acreditam ou não ligam
para Jesus. Por outro lado, muitos passam o seu Natal num leito de hospital ou
ao lado de leito de alguém doente.
Muitos do alojamento valorizavam, no
Natal, a presença da família, essa família truncada e “decepada” pela falta do
“cabeça”, o pai, ou mesmo do irmão e do filho. Sempre é preparada, lá no meio
do mato, uma festa com presentes para as crianças, churrasco, bolo, frutas,
refrigerantes. Cada trabalhador dá uma quantia de dinheiro para financiar a
festa. Não se fala de Jesus. Não há comemoração religiosa, só a familiar, e só
com as famílias que podem se deslocar para lá. Poucos são os que podem viajar
para as suas cidades.
Quando o padre pode ir, é celebrada a Missa de Natal, mas sempre alguns dias antes, ou mesmo uma semana antes. Absolutamente ninguém se lembra do aniversariante. É impressionante! E também deprimente. São pouquíssimos os que praticam a religião. Há muitos evangélicos entre eles, mas evitam essas comemorações, principalmente os da Testemunhas de Jeová (que não comemoram nem seus próprios aniversários e não acreditam na divindade de Jesus).
O desejo do meu amigo era falar-lhes
que Jesus nasceu por todos nós, para nos libertar de nossos pecados, de nossas
angústias, para dar-nos esperança e confiança. Entretanto, tudo o que conversam
é que presente os filhos vão ganhar e o que vão comer na festa.
Ele procurou viver o seu Natal se não
na alegria, pelo menos na paz. Essa paz parte da consciência de que estava,
como Jesus, num lugar simples, pobre, monstruosamente inseguro e deprimente.
Nos dois primeiros anos, ele fez a
celebração de Natal sozinho. No 3° ano, conseguiu cinco amigos e a fizeram
juntos. Uma celebração pobre, como aquela manjedoura. Mas, como nunca antes,
eles se sentiram no presépio, amados por Deus, na presença dos anjos. Os seis
se emocionaram. No pátio, ali ao lado, os outros colegas se empanturravam de
carne e refrigerante. O aniversariante não foi lembrado.
Comentários
Postar um comentário