PAPA: FAMOSA HOMILIA
Famosa homilia
do Papa Francisco na Missa Crismal de 5ª. Feira Santa no Vaticano - 2014.
No
Hoje de Quinta-feira Santa, em que Cristo levou o seu amor por nós até ao
extremo (cf. Jo 13, 1), comemoramos o dia feliz da instituição do sacerdócio e
o da nossa ordenação sacerdotal. O Senhor ungiu-nos em Cristo com óleo da
alegria, e esta unção convida-nos a acolher e cuidar deste grande dom: a
alegria, o júbilo sacerdotal. A alegria do sacerdote é um bem precioso tanto
para si mesmo como para todo o povo fiel de Deus: do meio deste povo fiel é
chamado o sacerdote para ser ungido e ao mesmo povo é enviado para ungir.
Ungidos
com óleo de alegria para ungir com óleo de alegria. A alegria sacerdotal tem a
sua fonte no Amor do Pai, e o Senhor deseja que a alegria deste amor «esteja em
nós» e «seja completa» (Jo 15, 11). Gosto de pensar na alegria contemplando
Nossa Senhora: Maria é «Mãe do Evangelho vivente, manancial de alegria para os
pequeninos» (Evangelii gaudium, 288), e creio não exagerar se dissermos que o sacerdote
é uma pessoa muito pequena: a grandeza incomensurável do dom que nos é dado
para o ministério relega-nos entre os menores dos homens. O sacerdote é o mais
pobre dos homens, se Jesus não o enriquece com a sua pobreza; é o servo mais
inútil, se Jesus não o trata como amigo; é o mais louco dos homens, se Jesus
não o instrui pacientemente como fez com Pedro; o mais indefeso dos cristãos,
se o Bom Pastor não o fortifica no meio do rebanho. Não há ninguém menor que um
sacerdote deixado meramente às suas forças; por isso, a nossa oração de defesa
contra toda a cilada do Maligno é a oração da nossa Mãe: sou sacerdote, porque
Ele olhou com bondade para a minha pequenez (cf. Lc 1, 48). E, a partir desta
pequenez, recebemos a nossa alegria.
Em
nossa alegria sacerdotal, encontro três características significativas: uma
alegria que nos unge (sem nos tornar untuosos, suntuosos e presunçosos), uma
alegria incorruptível e uma alegria missionária que irradia para todos e todos
atrai a começar, inversamente, pelos mais distantes.
Uma
alegria que nos unge. Quer dizer: penetrou no íntimo do nosso coração,
configurou-o e fortificou-o sacramentalmente. Os sinais da liturgia da
ordenação falam-nos do desejo materno que a Igreja tem de transmitir e
comunicar tudo aquilo que o Senhor nos deu: a imposição das mãos, a unção com o
santo Crisma, o revestir-se com os paramentos sagrados, a participação imediata
na primeira Consagração... A graça enche-nos e derrama-se íntegra, abundante e
plena em cada sacerdote. Ungidos até aos ossos... e a nossa alegria, que brota
de dentro, é o eco desta unção.
Uma
alegria incorruptível. A integridade do Dom – ninguém lhe pode tirar nem
acrescentar nada – é fonte incessante de alegria: uma alegria incorruptível, a
propósito da qual prometeu o Senhor que ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16,
22). Pode ser adormentada ou sufocada pelo pecado ou pelas preocupações da
vida, mas, no fundo, permanece intacta como o tição aceso dum cepo queimado sob
as cinzas, e sempre se pode renovar. Permanece sempre atual a recomendação de
Paulo a Timóteo: reaviva o fogo do dom de Deus, que está em ti pela imposição
das minhas mãos (cf. 2 Tm 1, 6).
Uma
alegria missionária. Sobre esta terceira característica, quero
alongar-me mais convosco sublinhando-a de maneira especial: a alegria do
sacerdote está intimamente relacionada com o povo fiel e santo de Deus, porque
se trata de uma alegria eminentemente missionária. A unção ordena-se para ungir
o povo fiel e santo de Deus: para batizar e confirmar, para curar e consagrar,
para abençoar, para consolar e evangelizar. E, sendo uma alegria que flui
apenas quando o pastor está no meio do seu rebanho (mesmo no silêncio da
oração, o pastor que adora o Pai está no meio das suas ovelhas), é uma «alegria
guardada» por este mesmo rebanho. Mesmo nos momentos de tristeza, quando tudo
parece entenebrecer-se e nos seduz a vertigem do isolamento, naqueles momentos
apáticos e chatos que por vezes nos assaltam na vida sacerdotal (e pelos quais
também eu passei), mesmo em tais momentos o povo de Deus é capaz de guardar a
alegria, é capaz de proteger-te, abraçar-te, ajudar-te a abrir o coração e
reencontrar uma alegria renovada.
«Alegria
guardada» pelo rebanho e guardada também por três irmãs que a rodeiam, protegem
e defendem: irmã pobreza, irmã fidelidade e irmã obediência.
A
alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a pobreza. O
sacerdote é pobre de alegrias meramente humanas: renunciou a tantas coisas! E,
visto que é pobre – ele que tantas coisas dá aos outros –, a sua alegria deve
pedi-la ao Senhor e ao povo fiel de Deus. Não deve buscá-la ele mesmo.
Sabemos
que o nosso povo é generosíssimo para agradecer aos sacerdotes os mínimos
gestos de bênção e, de modo especial, os Sacramentos. Muitos, falando da crise
de identidade sacerdotal, não têm em conta que a identidade pressupõe pertença.
Não há identidade – e, consequentemente, alegria de viver – sem uma ativa e
empenhada pertença ao povo fiel de Deus (Evangelii gaudium, 268). O sacerdote
que pretende encontrar a identidade sacerdotal indagando introspectivamente na
própria interioridade, talvez não encontre nada mais senão sinais que dizem
«saída»: sai de ti mesmo, sai em busca de Deus na adoração, sai e dá ao teu
povo aquilo que te foi confiado, e o teu povo terá o cuidado de fazer-te sentir
e experimentar quem és, como te chamas, qual é a tua identidade e te fará
rejubilar com aquele cem por um que o Senhor prometeu aos seus servos. Se não
sais de ti mesmo, o óleo torna-se rançoso e a unção não pode ser fecunda. Sair
de si mesmo requer despojar-se de si, comporta pobreza.
A
alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a fidelidade. Não
tanto no sentido de que seremos todos «imaculados» (quem dera que o fôssemos,
com a graça de Deus!), dado que somos pecadores, como sobretudo no sentido de
uma fidelidade sempre nova à única Esposa, a Igreja. Aqui está a chave da
fecundidade. Os filhos espirituais que o Senhor dá a cada sacerdote, aqueles
que batizou, as famílias que abençoou e ajudou a caminhar, os doentes que
apoia, os jovens com quem partilha a catequese e a formação, os pobres que
socorre… todos eles são esta «Esposa» que o sacerdote se sente feliz em tratar
como sua predileta e única amada e ser-lhe fiel sem cessar.
É
a Igreja viva, com nome e apelido, da qual o sacerdote cuida na sua paróquia ou
na missão que lhe foi confiada, é essa que lhe dá alegria quando lhe é fiel,
quando faz tudo o que deve fazer e deixa tudo o que deve deixar contanto que
permaneça no meio das ovelhas que o Senhor lhe confiou: «Apascenta as minhas
ovelhas» (Jo 21, 16.17).
A
alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a obediência.
Obediência à Igreja na Hierarquia que nos dá, por assim dizer, não só o âmbito
mais externo da obediência: a paróquia à qual sou enviado, as faculdades do
ministério, aquele encargo particular... e ainda a união com Deus Pai, de Quem
deriva toda a paternidade. Mas também a obediência à Igreja no serviço:
disponibilidade e prontidão para servir a todos, sempre e da melhor maneira, à
imagem de «Nossa Senhora da prontidão» (cf. Lc 1, 39: meta spoudes), que acorre
a servir sua prima e está atenta à cozinha de Caná, onde falta o vinho.
A
disponibilidade do sacerdote faz da Igreja a Casa das portas abertas, refúgio
para os pecadores, lar para aqueles que vivem na rua, casa de cura para os
doentes, acampamento para os jovens, sessão de catequese para as crianças da
Primeira Comunhão... Onde o povo de Deus tem um desejo ou uma necessidade, aí
está o sacerdote que sabe escutar (ob-audire) e pressente um mandato amoroso de
Cristo que o envia a socorrer com misericórdia tal necessidade ou a apoiar
aqueles bons desejos com caridade criativa.
Aquele
que é chamado saiba que existe neste mundo uma alegria genuína e plena: a de
ser tomado pelo povo que uma pessoa ama alguém até ao ponto de ser enviada a
ele como dispensadora dos dons e das consolações de Jesus, o único Bom Pastor,
que, cheio de profunda compaixão por todos os humildes e os excluídos desta
terra, cansados e abatidos como ovelhas sem pastor, quis associar muitos sacerdotes
ao seu ministério para, na pessoa deles, permanecer e agir Ele próprio em
benefício do seu povo.
Nesta
Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que faça descobrir a muitos
jovens aquele ardor do coração que faz acender a alegria logo que alguém tem a
feliz audácia de responder com prontidão à sua chamada. Nesta Quinta-feira
sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que conserve o brilho jubiloso nos olhos dos
recém-ordenados, que partem para «se dar a comer» pelo mundo, para consumir-se
no meio do povo fiel de Deus, que exultam preparando a primeira homilia, a
primeira Missa, o primeiro Batismo, a primeira Confissão... é a alegria de
poder pela primeira vez, como ungidos, partilhar – maravilhados – o tesouro do
Evangelho e sentir que o povo fiel volta a ungir-te de outra maneira: com os
seus pedidos, inclinando a cabeça para que tu os abençoes, apertando-te as
mãos, apresentando-te aos seus filhos, intercedendo pelos seus doentes...
Conserva, Senhor, nos teus sacerdotes jovens, a alegria de começar, de fazer
cada coisa como nova, a alegria de consumar a vida por Ti.
Nesta
Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que confirme a alegria sacerdotal
daqueles que têm muitos anos de ministério. Aquela alegria que, sem desaparecer
dos olhos, pousa sobre os ombros de quantos suportam o peso do ministério,
aqueles sacerdotes que já tomaram o pulso ao trabalho, reúnem as suas forças e
se rearmam: «tomam fôlego», como dizem os desportistas. Conserva, Senhor, a
profundidade e a sábia maturidade da alegria dos sacerdotes adultos. Saibam
orar como Neemias: a alegria do Senhor é a minha força (cf. Ne 8, 10).
Enfim,
nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que brilhe a alegria dos
sacerdotes idosos, sãos ou doentes. É a alegria da Cruz, que dimana da certeza
de possuir um tesouro incorruptível num vaso de barro que se vai desfazendo.
Saibam estar bem em qualquer lugar, sentindo na fugacidade do tempo o sabor do
eterno (Guardini). Sintam a alegria de passar a chama, a alegria de ver crescer
os filhos dos filhos e de saudar, sorrindo e com mansidão, as promessas,
naquela esperança que não desilude.
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